É fácil e difícil falar deste gigante do xadrez brasileiro que se assina Hélder Câmara. Fácil, se discorrermos sobre sua personalidade humaníssima, de fino trato, humildade civilizada que se aproxima da docilidade, expansivo, conversador, sempre pronto para um chiste gargalhante em qualquer roda de amigos. Difícil, se partirmos para analisar, divagar que seja, sobre sua inteligência viva e exuberante talento, e que, para além do xadrez, mostraram-se sempre surpreendentes e criativos no amplo espectro de sua vida multifacetada.
Das reuniões seresteiras na juventude, em Fortaleza (sua terra natal), e seu apego, já então, à música popular brasileira e aos tangos de Gardel, ao compositor de belas letras musicadas e gravadas (Altemar Dutra, Márcia, Anísio Silva); do poeta lírico, de rimas ricas e ressonância de um fugidio parnasianismo e um pulsante neo-simbolismo, ao esportista da natação, do futebol e do boxe, uma de suas grandes paixões; do leitor atento e crítico severo de tudo quanto lê, ao ... O que dizer mais deste Mestre?
Em essência e em síntese, no sentido mais nobre dos dois termos, a definição primeira para Hélder Câmara há de ser esta: É um Artista. Com o seu agudo senso analítico, tudo vê e sente com aquela simplicidade cavalheiresca, aquele toque perfeccionista e em dimensão de Arte. Pois a arte quase epidêmica desse artista, que nem sempre vem ao vivo, dado o seu comportamento despretensioso, transfigurou e transfigura toda a sua potencialidade criadora em sessenta e quatro casas de um tabuleiro de xadrez, dom maravilhoso que lhe foi dado pela imponderabilidade dos deuses.
Hélder Câmara tornou-se, da meninice à juventude, da juventude à maturidade, um dos maiores nomes da Nobre Arte, no País e fora dele. Campeão cearense aos 17 anos de idade. Campeão carioca em 1958, 1960 e 1961. Campeão paulista em 1968. Campeão brasileiro em 1963 e 1968, e vice-campeão em 1961, 1964, 1966 e 1969. Integrou a equipe olímpica nacional em Lugano (Suiça), em 1968; Siegen (Alemanha), em 1970; Skopje (lugoslávia), em 1972; Nice (França), em 1974; La Valetta (Malta), em 1980; Thessaloniki (Grécia), em 1984. Recordista brasileiro de simultâneas às cegas, em torneio realizado no Jacarepaguá Tênis Club, Rio de Janeiro, contra doze enxadristas, em 1965. Três vezes Jogos Abertos do Interior de São Paulo, por São Bernardo do Campo; uma vez por São Caetano do Sul; várias vezes vice-campeão em diversos outros Jogos Abertos do Interior, neste Estado.
E em destaque, coroando sua brilhante carreira enxadrística: durante o torneio Zonal Sul Americano, realizado em São Paulo, em 1972, tomou- se Mestre Internacional de Xadrez. Currículo como esse, respeitabilíssimo, diz por si do valor deste Mestre diante de um tabuleiro de xadrez, enfrentando qualquer adversário.
Se o seu mundo gira em tomo da música, do cinema, dos esportes (o boxe, em particular), das letras - a sua alma centra-se no xadrez. Mas, se o xadrez é o fulcro catalisador de toda a sua versatilidade criadora, é, ao mesmo tempo, força centrípeta que não permite que tal versatilidade feneça. Muitos Mestres do tabuleiro fazem dele sua razão de viver e de morrer. Hélder Câmara nele vê razão de vida e sinal sensível para muitas outras vidas. Eis aí sua admiração aos artistas do xadrez, aos grandes gênios criativos, como o poeta e maestro sinfônico do tabuleiro - Mikhail Tal. Levado por esse instinto e impulso criador, Hélder Câmara foi o único, no Brasil, a criar uma variante de abertura para as peças pretas, ao lado de Octávio Trompowsky, que criou uma outra para as brancas.
Escritor elegante, argumentador arguto e de fina ironia, pouco vimos, entre os que lidam no País com análises e estudos de xadrez, alguém tão notável como esse Mestre, que se vale surpreendentemente da palavra certa, da frase certa, do conceito certo, com aquela simplicidade que nunca deriva para a facilidade, ao esmerilhar qualquer partida de qualquer match, por mais complexa que seja, descortinando aos olhos, até dos iniciantes, a sua beleza divina.
Prova está nesta obra que ele entrega ao público, de título sugestivo e conteúdo palpitante. Aqui não está apenas e inconsútil o xadrez na sua lógica fria. Aqui não está apenas o seu universo de cálculos e armadilhas vorazes. Aqui está ele em voleios mágicos e infinita sedução. E aqui está, muito em particular, a história de mestres e matches da atualidade, as muitas vitórias e derrotas, estudadas com fino trato e cuidado, que o xadrez, na sua sagacidade e eterno tempo de espera, é dadivoso a ponto de elevar aos céus os seus bons filhos, como não perdoa e sacrifica até a
morte quem tente deslustrá-lo do seu brilho solar.
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